Buser

App de ônibus contestado por governos chega a 10 milhões de usuários

21/05/2023 - Jornal Floripa

São Paulo — Mesmo em meio a uma ferrenha batalha judicial com as agências reguladoras dos governos estadual e federal, que contestam sua forma de atuação em todo o país, o app de transporte por ônibus Buser já atingiu a marca de 10 milhões de usuários cadastrados em sua plataforma.

A contestação sobre o modelo da empresa, que vem lotando de processos os tribunais de São Paulo e de outros estados, é por causa do tipo de viagem que o aplicativo oferece.

Em São Paulo, para uma empresa de transporte levar pessoas de uma cidade para outra, ela precisa ou se cadastrar regular ou como de fretamento.

Como empresa regular, a companhia tem que cumprir itinerários e horários determinados pela Agência de Transportes do Estado de São Paulo (Artesp) e pode vender passagens individuais.

Já a empresa fretamento tem liberdade de itinerários e pode fazer seus próprios horários, mas não pode vender passagens individuais. É para, por exemplo, uma escola que quer fazer excursão.

A Buser mistura os dois modelos. Em sua plataforma, ela vende passagens individuais para ônibus cadastrados como fretamento. É o que se chama de “fretamento coletivo”, prática não reconhecida pela Artesp (nem pela Agência Nacional de Transporte Terrestre, a ANTT).

Disputa acirrada

Sem seguir as regras do transporte regular, o modelo da Buser consegue oferecer passagens mais baratas para o passageiro.

A Artesp tem atribuição para fiscalizar apenas as empresas de transporte, não a própria Buser, que é uma empresa de tecnologia. Por isso, o órgão estadual trava uma guerra “por procuração” contra a empresa nos tribunais, por meio de processos contra as empresas acionadas ao aplicativo.

As ações judiciais têm início parecido. Após a Artesp multar uma empresa de fretamento por estar fazendo um transporte regular sem autorização, a empresa tenta reverter a punição na Justiça, com um mandado de segurança ou uma ação civil.

Há decisões e pareceres judiciais de 2017 para cá tanto reconhecendo a atividade da empresa quanto determinando multas para as empresas de fretamento que transportavam passageiros que compraram passagens individuais.

Em maio deste ano, por exemplo, a promotora Claudia Cecilia Fedeli, da 4ª Promotora de Justiça de Mandados de Segurança do Ministério Público de São Paulo (MPSP), convocada para se manifestar em caso de uma empresa que se recusava a ser multada pela Artesp, disse que a operação da empresa é ilegal.

A empresa, segundo a promotora, “passaria a concorrer em condições privilegiadas, pois suas viagens se restringem a linhas e horários rentáveis, podendo praticar preços melhores justamente porque não têm as mesmas obrigações do que as demais”.

A interpretação de Fedeli é oposta à da promotora Ana Paula Westmann Anderlini, da 3ª Promotora de Justiça de Mandados de Segurança do MPSP, que já em novembro de 2021 havia avaliado, em caso similar, que  “o modelo de negócios explorado pela empresa (utilização de plataforma tecnológica e fretamento em circuito aberto com mais de um destino) não descaracteriza a prestação de serviços de fretamento”.

Empresários do setor e a própria Buser repassaram ao Metrópoles 11 decisões judiciais, de primeira segunda instância, com decisões diferentes sobre o tema.

Problemas e vantagens

Executivos da Buser e empresários do setor apontam as vantagens e desvantagens do sistema.

As empresas, ao seguir itinerários estabelecidos pela Artesp, têm de partir com o ônibus mesmo se o coletivo não estiver cheio. Ao receber a concessão para operar em um trecho rentável, a empresa em geral têm também de fazer viagens para uma cidade menos lucrativa. E há necessidade conceder gratuidades para idosos, policiais e outras categorias. Estes custos todos são repassados para a tarifa básica.

Com a Buser, o fretado pode cancelar a viagem até duas horas antes do embarque caso não esteja cheio. Não há gratuidades e, em especial, não há obrigações para fazer rotas em que a demanda é baixa. A tarifa para o passageiro final, porém, fica mais barata.

“Digamos que seja um dia permitido esse modelo de negócio. O que vai acontecer é que, se é permitido sair na hora que quero, com quantidade de passageiro que seja rentável e eu não seja obrigado a cumprir é uma frequência. Todas as empresas vão fazer a mesma coisa. E aqueles municípios de menor demanda vão começar não tem mais ônibus˜, diz Antonio Laskos, diretor executivo do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros no Estado de São Paulo (Setpesp).

“O que acontece é que o mercado de transporte rodoviário de passageiros, um setor que movimenta mais de R$ 30 bilhões por ano, está sob disputa”, disse a Buser, em nota ao Metrópoles.

“De um lado, estão as plataformas de tecnologia e empresários de turismo e fretamento de ônibus que oferecem viagens a preços justos e mais praticidade, tanto na hora de reservar quanto embarcar. De outro estão as grandes viações, que há décadas tentam fechar o mercado para manter um oligopólio e preservar seus privilégios, cobrando caro por um serviço ruim”, afirma o texto.

Tropeço após a pandemia

A concorrência da Buser e todos os gastos judiciais que o setor vem executando chegam em um momento duro para as empresas do setor, que chegou a ficar paralisado por três meses em 2020, durante a pandemia de Covid-19.

Segundo dados da Artesp, o número de empresas regulares está em queda e o número de pequenas empresas de frete está em alta.

Em 2018, segundo dados da agência, São Paulo tinha 96 empresas regulares. Em 2022, o número havia caído 8,5%, para 86 empresas. O número de coletivos em operação caiu de 934 para 791 (menos 15,3%).

Já o número de empresas de fretamento (que podem operar na Buser) explodiu. Foi de 1696, em 2018, para 2.113 no ano passado, crescimento de 24,6%. O número de veículos subiu, mas em ritmo menor. Foram de 17 mil para 18,5 mil (8,7% a mais).

No caso da Buser, a empresa afirma que teve seu faturamento elevado em 80% de 2021 (auge da pandemia) para 2022 (quando a crise arrefeceu).

A empresa afirma que, em média, tem 600 fretados em circulação por dia no País, com 900 nos feriados. Dados da ANTT são de que a frota de fretados do País, em 2022, era de 25 mil veículos.

Apesar das promessas de crescimento, a Buser também relatou momentos de seus próprios percalços. Capitalizada com recursos de fundos de investimento como o Softbank, Canar e Yellow Ventures, a empresa demitiu 30% de sua equipe em dezembro e cerca de 10% do quadro restante em abril. A empresa tem, hoje, cerca de 300 colaboradores.



 

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