domingo, 27 de dezembro de 2015

Ponte no Amapá liga o nada ao lugar nenhum

26/12/2015 - Gazeta do Povo - The New York Tines

SAINT-GEORGES-DEL’OYAPOCK, GUIANA FRANCESA / THE NEW YORK TIMES

"Eu não sei, talvez 30”, ele disse, referindo-se a quilômetros por hora. "Quando abrirem a ponte, vão colocar as placas.”

Contudo, o limite de velocidade hoje é efetivamente zero, pois a ponte sobre o rio Oiapoque, ao lado de Saint Georges, cidade de quatro mil habitantes, nunca foi aberta a pedestres ou veículos, embora tenha sido completada há mais de quatro anos a um custo de aproximadamente US$ 33 milhões, à época. Ambicionada como um símbolo de cooperação internacional – as placas são em francês e português –, a ponte se tornou um símbolo da incapacidade de os dois países trabalharem juntos.

"A ponte é apenas a parte visível do iceberg”, disse Thierry Girardot, 45 anos, trabalhador do Parque da Guiana Amazônica, sentado no terraço do restaurante Chez Modestine, de frente para a praça pública, abandonada ao calor escaldante. "É concreto, está ali, é real, mas a ponte não é a única coisa necessária para atravessar a fronteira.”

A decisão de construir a ponte foi anunciada em 1997 pelos então presidentes da França, Jacques Chirac, e Fernando Henrique Cardoso, do Brasil. A intenção era levar o desenvolvimento econômico ao estado brasileiro do Amapá, que faz fronteira com a Guiana Francesa, e criar oportunidades para empresas francesas e brasileiras. E pretendia melhorar a ligação da Guiana Francesa, sempre voltada para a Europa, com o continente dominado por latinos em que habita e, em grande medida, ignora.

Também se queria estabelecer uma ligação entre o Brasil e a Europa. A Guiana Francesa, ex-colônia que foi principalmente usada para abrigar criminosos em prisões famosas pela brutalidade abominável, se tornou um departamento ultramarino da França em 1946, obtendo o mesmo status de qualquer outro território francês.

Quando se cruza a fronteira da Guiana Francesa, não se está apenas na França – onde se fala francês, policiais franceses patrulham a fronteira e as pessoas elegem representantes para o Parlamento Francês –, mas também na União Europeia. A moeda corrente é o euro, e as regras da União Europeia em questões como segurança alimentar se aplicam.

França e Brasil concordaram em dividir o custo da construção da ponte, e a estrutura foi completada em 2011, com Nikolas Sarkozt e Dilma Rousseff como presidentes.

Em seu lado da ponte, a França construiu um posto de polícia aduaneira, para administrar os serviços de imigração e alfandegários, que já parece desgastado pelo tempo. Na ponte, com extensão superior a quatro campos de futebol, a linha branca dupla no centro do asfalto está descascando.

Porém, no lado brasileiro, as coisas atrasaram. O Brasil prometeu asfaltar a estrada de terra até Macapá, capital do estado do Amapá, a partir de Oiapoque, a cidade no lado brasileiro da ponte. Porém, boa parte da rodovia ainda não foi pavimentada. O Brasil também atrasou as instalações para imigração e alfândega, terminando as estruturas somente há pouco tempo. Ainda é necessário mobiliar, instalar computadores e outros artigos.

"Nós poderíamos abrir a ponte amanhã se eles enviassem pessoal e acabassem o trabalho”, declarou Éric Spitz, prefeito da Guiana Francesa, durante entrevista em seu grande gabinete revestido de madeira em Caiena, a capital, a três horas de carro de Saint Georges.


Um impasse em relação ao seguro veicular contribuiu com a demora. A França exige que os motoristas e as empresas de transporte tenham níveis muito mais elevados de cobertura do que as exigidas pelo Brasil. Os dois lados não conseguiram resolver a questão.


Segundo Spitz, durante encontro com seus colegas brasileiros em outubro, ele os desafiou a abrir a ponte antes dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, a começar em agosto de 2016. O prefeito disse que eles concordaram.

Muitos outros assuntos surgidos durante as conversas bilaterais não tinham nada a ver com a estrutura em si. Eles incluem o desejo francês de exportar mais laticínios ao Brasil, e a insistência brasileira de que a Guiana Francesa se empenhe mais para impedir a disseminação de uma mosca-das-frutas que ameaça uma cultura brasileira.

E também existe a questão do visto. Cidadãos franceses não precisam de visto para viajar ao Brasil, e os brasileiros não precisam de visto para ir a qualquer outra parte da França. Porém, mesmo que a Guiana Francesa seja um vizinho, os brasileiros precisam de visto para nela entrar; a exceção são viagens a Saint Georges, que podem ser feitas com permissão especial.

Isso irrita muitos brasileiros. Filip Van Den Bossche, empresário de Caiena, disse que um amigo brasileiro pretendia fazer uma visita durante as férias, mas descobriu que o visto exigido era caro demais. Em vez disso, o amigo comprou uma passagem aérea para a Europa.

Spitz, o prefeito, disse que a exigência de visto pretendia impedir a imigração ilegal de brasileiros para a Guiana Francesa.

Segundo algumas estimativas, milhares de brasileiros estão envolvidos na mineração ilegal de ouro na Guiana Francesa. Navios brasileiros também foram acusados de pescar em águas do país vizinho. Isso afeta a maneira pela qual muitas pessoas veem seus vizinhos, e muitos na Guiana Francesa não estão ansiosos em observar um influxo maior de brasileiros.

"Essa ponte nunca será aberta”, declarou Sandra Rufino, 45 anos, parada do lado de fora do mercado local no lado brasileiro e apontando desdenhosamente para a estrutura. "Só está aí para que pudessem dizer que construíram uma ponte.”

"Ela é um enfeite”, acrescentou sua amiga, Marcileide Lozeira, 38 anos.

Em Caiena, Spitz previu que a ponte seria como a Torre Eiffel, considerada feia quando estava sendo construída, mas que passou a ser amada como um símbolo nacional.

"Assim que a ponte for aberta, todos os anos difíceis serão esquecidos”, ele declarou.


sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Empresa responsável pela duplicação da BR-381 não paga dívidas e obra vira caso de polícia

25/12/2015 - Estado de Minas

Ao contrário do planejamento inicial, que previa para 2015 obras de duplicação em todos os trechos da BR-381, o fim de ano chegou com um cenário desanimador para os motoristas que passam pela rodovia. A obra, que começou no primeiro semestre de 2014, está praticamente paralisada e nenhum dos trechos foi entregue para os usuários até agora. Na semana passada, a Polícia Militar foi chamada às margens da 381 para resolver conflito entre subempreiteiros da região do Vale do Aço – que reclamam de calote de R$ 3 milhões – e funcionários da empreiteira espanhola Isolux. A empreiteira abandonou a obra no início do ano, mas, para evitar multas milionárias, fez acordo com a Justiça Federal para terminar pelo menos os serviços que foram iniciados e que já começam a se deteriorar.

Segundo acordo firmado entre a Isolux, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e a Justiça Federal, a obra nos lotes 1 e 2 da duplicação (entre Governador Valadares e Jaguaraçu) deveria ser retomada até o dia 15 de dezembro, após o DNIT depositar judicialmente os valores estimados para a execução dos trabalhos – montante de R$ 24 milhões. O órgão federal informou que depositou R$ 8 milhões, o que viabilizaria a retomada das melhorias na via. As obras, no entanto, continuam paradas. Um grupo de sete funcionários da Isolux foi impedido de trabalhar por um grupo de 30 subempreiteiros da região que cobram dívidas da empreiteira espanhola por serviços já feitos nos últimos anos.

"Eles foram obrigados pela Justiça a retomar as obras e por isso fizeram um teatro para fingir que estavam cumprindo a determinação. Levaram sete funcionários com enxadas, sem máquina nenhuma para realmente retomar a obra. Cobramos os nossos direitos. Não podemos deixá-los trabalhar. Antes de fazer novas contratações, a empresa deveria quitar o que deve. Muitas famílias dependem disso”, reclamou um dos subempreiteiros, que pediu para não se identificar. Segundo ele, o engenheiro da Isolux admitiu que a retomada das obras era apenas "para inglês ver” e que a empresa ainda precisaria se reorganizar para retomar o serviço.

Os subempreiteiros que reclamam de calote protestaram na semana passada queimando pneus na porta do escritório da empresa, em Santana do Paraíso. "Os contratos pendentes foram firmados em maio de 2014. A empreiteira já marcou várias datas para acertar suas dívidas, mas não cumpriu nenhuma delas. As subempreiteiras são empresas pequenas, que não têm condições de ficar tanto tempo sem receber e precisam pagar seus funcionários. Foram mais de 400 empregados demitidos e várias empresas não conseguiram quitar os acertos até hoje. Alguns (funcionários) já entraram com ações na Justiça”, conta um dos empresários.

Incertezas

O coordenador do movimento empresarial Nova 381, Luciano Araújo, alerta que a relação entre as subempreiteiras, responsáveis pela execução da maior parte da duplicação, e a Isolux está abalada. "A empreiteira tentou contratar outras subempreiteiras, mas a preferência inicial era para trabalhadores da região. A Isolux começou a mobilizar outras empresas e aquelas da região foram reivindicar seus direitos de receber pelo que já fizeram”, diz Araújo. O empresário lamenta a convocação da força policial para evitar conflitos, o que traz mais incertezas sobre o futuro da duplicação.

O grupo empresarial que acompanha as obras tentou nos últimos dias negociar os pagamentos atrasados e sensibilizar a empreiteira espanhola para a situação dos trabalhadores locais que dependem dos salários pendentes. "A situação das pequenas empreiteiras é difícil e a relação de confiança fica abalada. O ideal é que a Isolux consiga acertar o que deve para depois retomar as obras”, opina. O montante liberado nesta semana pelo Dnit não pode ser destinado ao pagamento de contratos anteriores, uma vez que o montante foi destinado para que as obras sejam retomadas.

A Isolux informou por meio da assessoria de imprensa que "aguarda o repasse integral dos valores por parte do Dnit e segue em negociação com as empresas colaboradoras da obra”. A assessoria do Dnit afirmou que o órgão não pretende interferir nas disputas entre a Isolux e os subempreiteiros e não comentou sobre os repasses parciais para a execução da obra.

Prioridade deixada de lado

Entre janeiro e dezembro o governo federal desembolsou apenas R$ 106,6 milhões na obra de duplicação da BR-381, incluindo os restos a pagar de 2014. O montante gasto com a obra que foi apontada pela presidente Dilma Rousseff (PT) como "prioritária para a mobilidade nacional” representa menos de 5% dos mais de R$ 2,5 bilhões previstos para a duplicação dos 303 quilômetros até Governador Valadares. De acordo com o Portal da Transparência, foram pagos R$ 26,2 milhões para obras entregues este ano e R$ 80,4 milhões referentes a obras que não foram quitadas no ano passado.

A obra na rodovia mineira foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2010 e a ordem de serviço para o início da duplicação foi assinada em maio de 2014. A previsão era de que o volume de investimentos aumentaria em 2015 e 2016, até que em 2017 vários trechos já seriam entregues aos usuários. O planejamento, no entanto, foi por água abaixo logo no primeiro semestre, quando a equipe econômica do governo federal anunciou cortes em praticamente todas as áreas na tentativa de equilibrar as contas públicas.

Os ministérios ligados aos investimentos em infraestrutura – Transportes, Cidade e Integração – foram os mais afetados com as tesouradas. Pela primeira vez, desde de 2007, quando foi lançado durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, o PAC sofreu com reduções orçamentárias. Foram cortados R$ 4,66 bilhões no programa.